sábado, 14 de março de 2009

Giuseppe Baretti no Convento de Santa Cruz de Serra de Sintra (1760)

A 12 de Setembro de 1760, o conhecido crítico literário Giuseppe Baretti visitou o Convento de Santa Cruz de Serra de Sintra, resultando dessa visita uma muito interessante carta (XXVIII) incluída no livro "Journey from London to Genoa, through England, Portugal, Spain and France" (Vol.I).

A referida carta contém referências a outros espaços de Serra de Sintra, como o Mosteiro de Nossa Senhora da Pena, acerca do qual nos proporciona alguma informação. Escreve desde logo que no momento da sua visita apenas quatro ou cinco monges ali viviam, apesar da maior capacidade de alojamento do cenóbio Jerónimo, afectada todavia pelo terramoto de 1755, ocorrido apenas 5 anos antes da visita.

Escreve Baretti que o que resta do Mosteiro consiste de cinco ou seis divisões e um claustro forrado a azulejos brancos e azuis, dispostos de forma a recolher a água das chuvas numa cisterna localizada por baixo deste espaço.

Do alto da Serra, Baretti arrisca a olho nú e sem recurso a instrumentos de medição, uma altura de uma milha... 1600 metros de altitude, muito superiores aos 428 metros da Pena. Já noutra narrativa relativa a Sintra, do século XIX, alguém lhe havia atribuído 3000 pés de altitude (cerca de 914 metros).

Olhando em redor, identifica entre os enormes granitos envolventes do Mosteiro pequenas hortas cultivadas pelos monges, e lamenta apenas que o clima não lhes permita ali ter árvores de fruto, chegando estes de burro todos os dias, oriundos da Vila. Informa todavia que nas encostas ingremes da Pena se cultiva milho, utilizado para bolos que os monges servem aos visitantes, bem como para alimentar galinhas.

Ainda escrevendo sobre a Pena, Baretti elogia a solidez da construção do Mosteiro, atribuindo-lhe o mérito pelo facto deste não ter ficado em absoluta ruína após o violentíssimo terramoto, nem ali ter morrido nenhum monge devido ao abalo. Citando um dos monges refere que a Igreja se ergue precisamente sobre um antigo templo romano dedicado ao culto da Lua.

Relativamente aos Capuchos, o autor começa por referir a penosidade do caminho até ao lugar do ermitério franciscano, confessando que visitantes e burros (muito usados nestes antigos passeios pela Serra de Sintra) chegaram a passar por caminhos que exigiam máxima atenção, para evitar acidentes.

Sobre o Convento em si, Baretti inicia a narrativa pelas duas pedras que unidas formam o arco do portão, no Terreiro das Cruzes. Ali deixou, juntamente com o seu acompanhante, o burro em que viajava, ficando os animais à guarda de um guia local.

O que viu nos Capuchos deixou-o vivamente impressionado, chegando a pedir ao leitor auxílio na exigente tarefa de encontrar as palavras adequadas para descrever um lugar ímpar, que qualifica como "the most pleasing place that ever I was in".

Baretti refere, presumindo, que os frades os haviam avistado ao longe, e que por isso tudo estaria preparado para os receber quando ali chegaram. Foram muito bem recebidos, como se de amigos íntimos se tratassem, tendo o superior do Convento questionado se já haviam jantado. Perante a resposta negativa, o mesmo frade deu ordem para que fosse preparada uma refeição, iniciando logo em seguida uma visita guiada ao cenóbio arrábido.

Buracos, buracos e mais buracos. Eis a forma como Baretti descreve os Capuchos de Sintra, num tom que revela enorme admiração pela integração daquela casa de frades na natureza circundante. Fala-nos da Igreja, da Sacristia, dos Confessionários, do Refeitório e das Celas como pequenos buracos abertos no chão. As celas parecem provocar-lhe forte comoção, detendo-se na descrição da sua pequenez, apesar de afirmar sem reservas que os frades ali dormem.

Também relativamente ao Convento se refere ao terramoto de 1755, mas para assinalar que a violência do abalo acabou por não afectar as construções arrábidas, acabando por acrescentar que apenas a "queda da montanha" as poderia destruir.

Segue-se a clássica referência ao revestimento de cortiça de várias divisões do Convento, justificando assim a razão pela qual os "marinheiros ingleses" lhe chamam "Convento da Cortiça". Explicita algumas das vantagens da utilização da cortiça.

A propósito da Cova de Frei Honório tece comentários de incredibilidade, colocando em causa não apenas a lápide que assinala a data da morte do Santo, como também a história contada pelos frades, de quem diz terem nascido dois séculos após a morte do conhecido penitente (ou seja, muito distantes no tempo para saber ao certo o que ali se passou).

A propósito de uma nascente ali localizada, descreve a zona de cerca e as culturas dos frades, lamentando - tal como havia feito na Pena - a ausência de fruta, de certa forma compensada pela existência de uma grande abundância de outros vegetais .

Depois da visita, Baretti jantou no Convento e ao ar livre, já que o tempo assim o permitia. A refeição, servida com generosidade, consistiu de peixe preparado com alho e pimenta, abundante salada, queijo e fruta (pêras, maçãs, uvas e figos), em quantidade "dez vezes superior ao que conseguiríamos comer". Foi ainda servido um excelente vinho de Colares e pão de boa qualidade.

Conta Baretti que durante o jantar manteve agradável conversa com os frades, possuidores de excelente sentido de humor, e que lhe contaram que muitos ingleses acompanhados de senhoras visitavam frequentemente o Convento. As senhoras apenas podiam entrar no Convento quando acompanhadas de outros visitantes masculinos. Às mulheres locais não era permitido ultrapassar o arco de pedra do portão, excepto em dias festivos.

Terminada a visita e o jantar, Baretti deixou algum dinheiro junto à imagem de Santa Maria Madalena, justificando o facto com a necessidade de ajudar os frades nas despesas relativas à recepção de visitantes, bem como no apoio aos pobres locais, que ali se deslocavam com frequência para pedir uma refeição

Interessante ainda referir que Baretti refere o facto de ao seu guia bem como a um "negro", que se encontravam no exterior a tomar conta dos burros, ter sido servida uma refeição em suficiente quantidade, por iniciativa dos frades, e composta por sardinhas, queijo e fruta, vinho e pão.

As palavras finais relativas ao Convento são de facto esclarecedoras sobre a impressão e a marca que o lugar lhe deixou: "And now I may truly say that I have seen the strangest solitude that ever was inhabited by men, amidil the most plea- fing aslemblage of craggs, rocks, trees, and bumes that can possibly be fancied".

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